fevereiro 18, 2010

A minha Lília Brick

porque eu te olhava e você era o meu cinema, a minha Scarlet O'Hara, a minha Excalibur, a minha Salambô, a minha Nastassia Filípovna, a minha Brigite Bardot, o meu Tadzio, a minha Anne, a minha lou Salomé, a minha Lorraine, a minha Ceci, a minha Odete de Crécy, a minha Capitu, a minha Cabocla, a minha Pagu, a minha Barbarella, a minha Honey Moon, o meu amuleto de Ogum, a minha Honey Baby, a minha Rosemary, a minha Marlin Monroe, o meu Rodolfo Valentino, a minha Emanuelle, o meu Bambi, a minha Lília Brick, a minha Poliana, a minha Gilda, a minha Julieta, e eu dizia a você do meu amor e você ria, suspirava e ria. (Arnaldo Antunes,Psia)

fevereiro 07, 2010

A ex-punk e o pagodeiro

Ele a levou pra passear de moto e ela gostava de velocidade. Ele disse que gostava de mulheres mais velhas. Ela tinha a idade adequada. Ele disse que ela tinha o peso ideal, ela discordou. Por via das dúvidas apertou na dieta. Ela tem quatro gatos e avisou desde o primeiro dia. Ele entendeu que ela tinha quatro namorados e achou que ela era doida. Ela gosta de usar preto e é toda básica (exceto algumas florzinhas e acessórios), ele usa cordão de ouro (daqueles pesados) e muito perfume. Contudo ela gostou do cheiro dele. Ele acha horrível fumar maconha mas já chegou muito bêbado na casa dela. Ele ouve sertanejo, ouve duplas das quais ela nunca ouviu falar. Ela ouve bandas que ele vai detestar. Ela lê coisas que ele nem desconfia, ele faz estantes. Ela achava que iria ao samba com ele, porém tem sambado sozinha. Ele acha a comida dela sem sal. Ele foi vegetariano, agora come carne enquanto ela tenta ser vegetariana. Ele marca e não vem. Ela marca e sai de casa. Ele se declara apaixonado e ela vai a analista. Mais desencontros do que encontros. O telefone dele paraguaio-chinês tem dois chips, porém nunca funciona direito. Ela diz que não tem preconceitos, ele tem alguns com certeza. Para ele existem verdades, para ela é tudo interpretação. Ela chora em filmes tristes, ele chora em filmes tristes, mas nunca assistiram um filme juntos. Ele vive cantarolando pagodes tão baixinho que ela não consegue ouvir. Ele gosta de ir a casa dela a tarde, ela preferia que ele viesse no fim de semana. Ele diz que a vida dele é mais complicada do que a dela. É verdade que ela tem muitas tarefas, todas claras e muito bem agendadas. É verdade também que até as pessoas mais simples tem medo de afeto, deste que ela aprendeu com os seus quatro gatos. Ele quer compromisso, mas não conta nada da vida dele. Ela é um livro aberto sem capa. A ex-punk dedicou uma música ao pagodeiro*. Ele vai acabar dançando.

*“querendo te encontrar”. João Bosco e Vinicius, do DVD pirata que ele esqueceu na casa dela.