‑ Você está morto. Eu te matei.
O cara pior ainda retruca:
‑ Hum, hum (balançando a cabeça negativamente). Estou vivinho no teu desejo de me matar novamente,,,
Seria um momento oportuno para Nancy Sinatra cantar: “My baby shot me down, bang bang...”. Mas o cara pior ainda, mais do que entediado pergunta:
- Quantas vezes terei de morrer para me livrar de você, você me cansa?
A trilha sonora transtorna-se de repente " China canta:
"A partir de agora tudo é mais claro pra mim. Agora percebi que vc não passa de um espaço aberto na multidão. Eu não vou mais te procurar... [mas] eu vou seguindo, colocando sal nas feridas,,, vc vai sumindo, desaparecendo feito foto velha".
Antes que amúsica termine, o cara mau se torna pior ainda, acende um cigarro e diz cantando outra música do China:
_ Por hj vc não morre mas amanhã quem sabe...
Eu escrevi o diálogo acima inspirada em dois contos, o primeiro de Wilson Bueno sobre duas cobras autênticas que se encontram uma simpática perguntadeira e uma meio blasé, resignada na sua condição de cobra venenosa. Sem demonstrar simpatia esta se mantinha cobra, em plena pose a cobra fingida nhacc nela. Ela só queria muito mostrar de antemão quão cobra ela era,,,, e depois vi que por inversão meu textinho relaciona-se ao conto de Caim e Abel de Jorge Luis Borges, neste os dois irmãos se perdoam, como deveria ser, afinal.
“Caim e Abel encontraram-se depois da morte de Abel. Caminham pelo deserto e reconheceram-se de longe, porque os dois eram muito altos. Os irmãos sentaram-se na terra, acenderam um fogo e comeram. Guardavam silêncio, à maneira das pessoas cansadas quando declina o dia. No céu assomava uma estrela que ainda não tinha recebido seu nome.
À luz das chamas, Caim percebeu na testa de Abel a marca da pedra e deixou cair o pão que estava prestes a levar à boca e pediu que lhe fosse perdoado seu crime.
- Tu me mataste ou eu te matei? – Abel respondeu.
– Já não me lembro; aqui estamos juntos como antes.
- Agora sei que me perdoaste de verdade – disse Caim – porque esquecer é perdoar. Procurarei também esquecer.
- É assim mesmo – Abel falou devagar. - Enquanto dura o remorso, dura a culpa”.