agosto 18, 2007

Ser êmico ou ser fágico?

Inútil lutar para ser outro, para estar com o outro, inútil lançar pontes de palavras que chegam estilhaçadas ao outro, por que ele as filtra, penera, mesmo quando diz: ouvi, mesmo quando diz: entendi... A linguagem é o tempo todo tradução, inútil querer ser compreendido, inútil querer compreender... Antes abraçar ou ser abraçado, enlaçado, devorado [se devorado é cansativo] antes talvez seja boa a solidão, melhor ainda, o silêncio ou a companhia dos bichos, pois só querem o calor de outro corpo junto ao seu. Esta, a linguagem outra não analítica, não simplificadora, não explicativa.
Isso tudo não diz respeito ao destino, não implica em desistência do aprendizado e das tarefas da vida. O destino está a cargo de Deuses que foram para uma festa, não voltaram e parecem nem se lembar mais da nossa existência. Isso tudo diz respeito a diálogo, a encontro, a nomear coisas, compartilhar assuntos...
Mas ter que enfrentar todas as tempestades de ser sozinhos, ventos, redemoinhos, abismos ... e ainda não saber...
Não que a parte de cima seja poesia mas a citação que o acompanha é de Zigmund Bauman:
""Claude Lévi-Strauss, o maior antropólogo cultural de nosso tempo, sugeriu em tristes trópicos que apenas duas estratégias foram utilizadas. na história humana quando a necessidade de enfrentar a alteridade dos outros surgiu: uma era a antropoêmica, a outra, a antropofágica.
A primeira estratégia consiste em "vomitar': cuspir os outros vistos como incuravelmente estranhos e alheios: impedir o contato físico, o diálogo, a interação social e todas as variedades de commercium, comensalidade e connubium As variantes extremas da estratégia "êmica" são hoje, como sempre, o encarceramento, a deportação e o assassinato. As formas elevadas, "refinadas" (modernizadas) da estratégia "êmica" são a separação espacial, os guetos urbanos, o acesso seletivo a espaços e o impedimento seletivo
a seu uso.
A segunda estratégia consiste numa soi-disant "desalienação" das substâncias alheias: "ingerir': "devorar" corpos e espíritos estranhos de modo a fazê-los, pelo metabolismo, idênticos aos cor- pos que os ingerem, e portanto não distinguíveis deles. Essa estratégia também assumiu ampla gama de formas: do canibalismo à assimilação forçada -cruzadas culturais, guerras declaradas contra costumes locais, contra calendários, cultos, dialetos e outros "preconceitos" e "superstições” Se a primeira estratégia visava ao exílio ou aniquilação dos "outros': a segunda visava à suspensão ou aniquilação de sua alteridade.
""
Trecho extraído do livro BAUMAN, Zygmund. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2001, p. 115-16