Nos primeiros anos da "era" informacional, segundo Michel Serres, ressurge a figura dos “mensageiros”, enunciada pelas antiqüíssimas lendas dos anjos que conhecemos por meio das grandes religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo, islamismo). O anjo, velha e nova figura, Angelos, em grego significa mensageiro.
Serres diz que todo dia, nas cidades contemporâneas, descem para trabalhar Prometeus, Hércules, Atlas, entre eles estão os Arcanjos, portadores de mensagens, que muitas vezes controlam motores.
Na história, no drama dos trabalhos, Serres em seu livro "Atlas" designa que são três atos: carregar, aquecer e transmitir. Deste último, os anjos são as figuras representativas, o estado da matéria que marca o mundo onde circulam signos invisíveis é volátil, e o problema aí não é o da forma, não é da transformação mas o da informação.
Serres diz: "O anjo possui ao mesmo tempo um olhar acerado de inteligência e um olhar piedoso.”
"o anjo permite ao mesmo tempo compreender, por finas técnicas, o funcionamento das coisas, dos homens ou dos utensílios e de expor a moral, coisa rara.” O anjo faz a mediação entre dois universos", o material e o imaterial.
A era “comunicacional”, ainda de acordo com Serres, pratica reduções do conceito". Isso se releva quando Serres e alguns cineastas nos remetem ao universo “angelical” mais uma vez.
Os anjos aparecem em filmes dos anos 1980-90,como: "Asas do desejo", do diretor Wim Wenders (1987), cuja tradução literal do alemão seria "O céu sobre Berlim" (Der Himmel über Berlin) e Cidade dos Anjos, direção de Brad Silberling com Nicolas Cage e Meg Ryan (1998). São filmes sobre o inefável, a leveza, os fluxos invisíveis, intangíveis, vice-versa.
Asas do Desejo remete, entre outras coisas, a memória, a compreensão das coisas com olhar empático. Sobre os escombros, ruina e vazios de Berlim recem unificada o anjo paira. O ponto de vista que sobrevoa a cidade é o que o cineasta nos proporciona.
"A câmara é uma arma contra a miséria das coisas, nomeadamente contra o seu desaparecimento. Porquê filmar? diz Wenders
Por sua vez, A cidade dos anjos remete aos sentidos, aos confrontos entre finitude e eternidade. Os anjos não nos mostram a cidade, penduram-se em postes publicitários. Há o mar. E como em Asas do desejo as bibliotecas, as bibliotecas.
Sobre os sentidos: “Eu prefiro ter sentido seu cabelo uma vez, ter dado um beijo uma vez, ter tocado uma vez a sua mão, do que uma eternidade sem isso !!!” diz Seth (Cage) o anjo que se apaixona por uma médica (Meg Ryan)
Os anjos dos dois filmes caem na terra, "To fall in love", apaixonar-se, em inglês, tornam-se humanos para amar e enfrentam a finitude. Enquanto eram anjos eles cuidavam dos outros; "fall in love " também pode ser aproximado à cair em si?
Já nos anos 2000 vieram os vampiros que são mortos vivos, eternos jovens, não são lá muito sociáveis - sua comunidade é exclusiva, quando não são completamente solitários. As exclusividades sociais são círculos viciosos, segundo Zigmund Bauman em seu livro "Comunidade": "muitas das forças mais poderosas conspiram, ou pelo menos atuam em uníssono, para perpetuar a tendência exclusivista e a construção de barricadas."
Vampiros contemporâneos são sempre lindos (esqueçam Nosferatu) e ricos. A empatia que o Nosferatu por ventura desperta é diferente, pois em certos momentos aproxima-se da piedade,, como aquela que sentimos pelo filho que saiu torto. A possível simpatia que os vampiros moderninhos despertam, tem algo de inveja, mal olhado. Els são "montados" a maneira das celebridades, pode-se amá-los como um astro qualquer. A maldição da eternidade do vampiro é suspensa diante dessa "encarnação" de beleza.. A sedução da eternidade e juventude vence. Drácula de Bram Stoker é plasticamente um belo filme, os atores são charmosos, cool, mas o medo e danação que provoca predomina sobre a beleza e a sedução do Drácula de Gary Oldman. Não dá nem para amar nem para ter piedade., embora seja sempre o amor a desculpa para tudo "love never dies" é o subtítulo do filme Não escamotea o enfrentamento literal do sublime, demasiado grande ou irrascível para assimilar só com os olhos.
Lembrete: Karl Marx compara o capital/capitalista ao vampiro. Este não largará a presa 'enquanto houver um músculo, um nervo, uma gota de sangue a ser explorada' (citação de um texto de 1845 de Friedrich Engels). Já foi o tempo da promessa emancipação do trabalho, da vida boa,, do tempo realmente livre. O trabalho ainda é desassossego, tortura e vampiragem.
Na era informacional/ comunicacional, capitalismo flexível, seja qual for a designação que aprouver, a nova velocidade/ mobilidade emancipa o capital e seus agentes - “proprietários- ausentes”. Os novos jovens vampiros estão bem próximos do que Zigmund Bauman denomina em Globalização de “proprietários- ausentes”.
" Este conjunto de privilegiados obteve liberdade de movimentos – que origina – a “não responsabilização” pelos atos do que faz, precisamente pela capacidade de mobilidade dos movimentos.
Este é o tempo de acordo com Bauman que “alguns podem mover-se para fora da localidade – qualquer localidade – quando quiserem. [Enquanto] outros observam, impotentes, a única localidade em que habitam movendo-se sob os seus pés” , estes são os homens comuns da multidão? fragmentados demais, desengajados demais para notarem sua situação ou destino comum.
As elites extraterritoriais são “globais”. Enquanto isso, o resto da população é cada vez mais “localizada”, tendendo a imobilidade ou sendo forçada a isso. A elite extraterritorial prescinde dos espaços geográficos, não possui vínculos nacionais ou comunitários. "O sentido de comunidade (e de interesse pela comunidade) desaparece na elite." Bauman diz em seu livro "Globalização, as consequências humanas".
No caso dos vampiros não há vínculo nem espacial nem temporal, apenas desengajamento social e territorial, quase não há afetividade ou empatia, quando ocorre é egocêntrica. Afetividade é mais atributo de anjo do que de vampiro. Pensando bem, o anjo catastrófico, traidor de sua via do filme Constantine (com Keanu Reeves, Dirigido por Francis Lawrence) parece marcar essa mudança de marcha na compreensão intuitiva, poética (?) dos eventos ou rumos da vida na globalização (?) da esperança ao cinismo, da utopia a distopia. nada disso é novidade
Ambos, anjo e vampiro, levam a pensar o ciclo da vida, a maldição do tempo, o "inumano". Depois penso nisso aqui.
Um comentário:
Tudo bicho que voa, como dizia, o sapo, que injustiça!
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