novembro 28, 2008

Amor ,"a vingança nunca é plena"

A maior covardia de um homem é despertar o amor de uma mulher sem ter a intenção de amá-la. Bob Marley
A atração ou a repulsão são na verdade de ordem sexual. Julia Kristeva

Fui diagnosticada como compulsiva incurável. Minha compulsão se manifesta pelo excesso de trabalho (que desenfreado é maldição e desejo de esquecer quem somos), de paixão e de sexo (quase perdendo a cabeça), ainda de ingestão de bebida e de comida, com tempo, energia e eventualmente dinheiro desperdiçados em cada uma dessas funções. Ah! para meu bem estas coisas não acontecem ao mesmo tempo.
A maioria das compulsões envolvem morbidez e sacrifício (este não é o caso do sexo ou da comilança) entretanto todas levam a ansiedade, a culpa e a baixa estima, algumas vezes a fobias e ao delírio. Os comportamentos compulsivos evidentes ganham termos pejorativos, uma semântica de desprezo e hojeriza social.
Em rupturas afetivas reicindem os passos, tais como foram designados nesta fórmula de José Gil: AMOR → dor da não reciprocidade afetiva → sofrimento-ressentimento → inveja → vingança (mau-olhado, vendeta). Na raiz da palavra inveja já contém o olho ruim. Isso não se pode evitar.
Atroz contradição a da inveja, assim como a do ciúme, nascem do amor e matam o amor, digo recorrendo a uma frase de Simone de Beauvoir. O ciúme e a inveja interrompem o fluxo de afeto. Pois é, não é demais repetir:
“Ciúme é o acúmulo de dúvida, incerteza de si mesmo, projetado. Assim jogado como lama anti-erótica na cara do desejo mais intenso de ficar com a pessoa” (Katia B).
A minha experiência não ocorre exatamente na ordem da fórmula de José Gil e, quase sempre é interrompida antes de chegar ao ponto da vingança. Se por acaso, o quebranto se realiza vem muito tarde, vem depois do esquecimento. Mas não antes de ter me envenenado a alma. Seu Madruga está certo: "A vingança nunca é plena, mata a alma e envenena".
Antes de chegar ao ponto da vendeta, desencadeio um processo autodestrutivo novamente compulsivo. Na penúltima ruptura "amorosa (?)", preenchi o vazio do amor que antes se disseminava em meu corpo, ocupando mais espaço no mundo (sem ter o direito) com obesidade. Anestesiava o corpo e recusava a encarar a dor. Antes disso, experimentei uma espécie de síndrome de pânico. Neste o amor foi substituído pelo terror. Fiquei possuída pelo sentimento ruim que poderia enviar ao outro. Imediatamente após a aparente cura dessa possessão, procurei consolo em outros corpos, foi então descobri que é bobagem transar ou “beijar uma pessoa para esquecer outra” (Mário Quintana). Mas vamos combinar: o tempo que cura tudo, é melhor usufruído do lado de um corpo quentinho que te deseja (quando te deseja). Em todo caso, é melhor do que o mau-olhado introvertido.
No entanto o mundo continua esvaziado, nem o sexo nem a bebida substituem o tédio e sua insipidez; amenizam a cólera (ímpeto violento), o ódio (paixão que impele desejar mal a alguém), a raiva (aversão) e o ressentimento (mágoa).
A cólera em mim é passageira e sempre deixa estragos; o ódio vem lento, porém não fica muito tempo. A raiva dura mais ora transmuta em mágoa ora em pasmo. Pasmar tem a ver com admirar (olho bom), mas também com inércia e assombro. Ocorre-me nesta fase mais nos aspectos negativos. Com o tempo a raiva também se dissipa não em esquecimento. Não tenho a qualidade de não ser ressentida, não sou um ser nietzscheano e sou mulher. “A mulher aprende a odiar na medida em que desaprende encantar.” Estou me aproximando da fase em que se perde o encanto. Conheço mesmo um homem que diria que este tempo já chegou. É o objeto do meu atual mal estar.
Talvez seja a culpa que me faz evitar chegar a vendeta. Não somente a culpa, mas também a incompetência para a maldade. Não é que não saiba ser maldosa, o que eu não sei é fazer maldade. Não tenho a disciplina, a paciência e a mente estratégica necessária. Por outro lado prezo muito meu tempo para desperdiçá-lo mais ainda.
Sou ressentida sim, contudo, não em tempo integral. Me divirto nos dias de festa, no meio da multidão esqueço. Em todo caso, não esquecer por completo é precaução para não cair nas mesmas ciladas de sempre. Ai quem me dera, não reincidisse. Estaria agora fazendo um hino a Dionísio ou a Bob Dylan oua Benicio Del Toro em vez de cismar (obsessivamente) porque me meto nestas situações.
Um cara nada ressentido como Bob Marley fala da crueldade de um homem despertar o amor de uma mulher sem a intenção de corresponder-lhe. Mário Quintana por outro lado diz o oposto: A coisa mais cruel que se pode fazer é se permitir apaixonar por alguém quando este alguém não pretende fazer o mesmo. Não foi por falta de aviso, é certo. Contudo, eu também avisei que não tinha nada menos do que todo meu amor para dar. A mágoa maior nem é perder o amor é não poder mais nunca mais confiar na pessoa.
O amor-aversão, desejo-rejeição são da ordem do jogo complementar de forças. Eu não sou inocente nem vítima nem algoz. E eu tenho aquela habilidade das mulheres, da qual Nietzsche nos acusa, de “levar insidiosamente o próximo a uma boa opinião de si e, depois, acreditar piamente nessa boa opinião”. Cai na minha própria armadilha, me apaixonei de novo por um personagem?
Devia me perguntar todo dia “o que eu estou ajudando a fazer de mim mesma?”. Porque deixei esta lama anti-erótica me cobrir novamente (leva anos para sair), quando foi que esqueci o desejo por causa do apego, porque razão eu abri mão do prazer e do gozo para ficar batendo a cabeça na parede. Porque cheguei até aqui tão íntima do rancor, da mágoa e do ressentimento e tão longe do amor.

Vendeta: é uma sequência de ações e contra-ações motivadas por vingança que duram anos, foi habitual em grupos do mediterrâneo.

Referências:
Metafenomenologia da inveja: magia e política de José Gil. In. Nietzsche e Deleuze, Bábaros e Civilizados. Organizado por Daniel Lins e Peter Pal Pelbart. Ed. AnnaBlume.
Imagens de Foucault e Deleuze. Rago, Margareth et al (org)

novembro 26, 2008

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Bloco de notas, acessórios, contas erradas, ato falho, calculadora, visita a arquivos, compras compulsivas de livros, tonteiras devido anuladores, roupas largas, sensação de tédio, perspectivas, horizontes, mudança de shampoo, cremes, pele macia, chuva, goteiras no teto da cobertura, gatos fugindo para baixo da escada, filha morando longe, um vácuo no coração, sensação que tudo o tempo cura, me sentindo sem ter com quem falar, mas sem ter o que falar além dos fatos cotidianos, excepcional foi conhecer as amigas que moram com minha filha...
faltando a compromissos não muito importantes e por ai vai. A vida é chata mas é vida...

novembro 08, 2008

Espelho na desordem do mundo

A peça "A ordem do mundo" foi um espelho. Eu não teria tanto equilíbrio nem tanto orgulho de sapatos vermelhos com salto de 20 cm, não poderia me chamar de loura radiante, não estou tão em forma como Helena a única personagem da peça. Não tenho mais ilusões com o "poder", mas não abro mão do meu lugar. Ainda não tomo anuladores ou tomo? Fico tão deseperada por causa da minha filha e por amores fracassados quanto Helena. E inclusive, como ela, tenho a capacidade de esperar um telefonema de Pedro, que tem a capacidade de não me ligar. Também sou uma chata a citar filósofos, cientistas sociais, discutir Kant e suas três questões: o que posso pensar, o que posso fazer e o que posso esperar. Não obstante a encenação parecer uma conferência, há pessoas assim, eu sou meio assim. E também falo sozinha.
Helena procura em vão a ordem do mundo em jornais (é o seu trabalho), faz fórmulas, elabora categorias. Mas não há categorias disponíveis. As designadas se embaralham a todo momento. Em conclusão tal como o monge budista, constata-se que não há ordem no mundo, pois se não conseguimos enxergá-la é o mesmo que não haver.

Texto da peça : Patrícia Melo Direção: Aderbal Freire Filho Elenco: Drica Moraes


novembro 02, 2008

Estados de ânimo 2


O corpo fala por meio dos sintomas. A obesidade é uma forma de resolver o vazio da existência ocupando espaço, anorexia é uma forma de reação ao mesmo vazio auto-devorando-se. O medo do contato é medo do contágio, a inércia é medo do movimento da vida, a imobilidade é o temor de perder os devires (nada mal). E há as cascas daqueles que temem separações ou sofrimentos e não deixam que se aproximem deles ou daqueles arrogantes que vivem para si mesmos.
O modo como aparecem na face as marcas é um lento congelamento das emoções ou expressões recorrentes. Quando era pequena Mariana me desenhava sempre com um sorriso largo e cheia de buracos, na época minha analista (lacaniana) me disse que ela via minhas feridas (emocionais). O corpo não mente, ainda bem que nem todo mundo consegue ler estas marcas do corpo. Senão a vida social ficaria impossível. Por outro lado, há alguns que sacam tudo, e quando eles colocam o espelho na nossa cara, nossa auto-imagem desmonta. Eu sou esta? Não era bem assim que eu me via.