agosto 30, 2009

Gatos atropelados

De vez em quando, penso que eu venha agradecer aos homens que passaram por mim atropelando, "me deixando de lado". Os tais que me trataram como um vento que passou (da música mulher sem razão): o que não me mata me deixa mais forte dizem por ai. Sei reconhecer um gato atropelado a distância e logo penso em levar para casa. Inútil, ele fica bom e foge. São quase três anos de solidão nos entremeios.
Reconheço tortos e aleijados de alma por que eu mesma convalesço disso. Meu couro está curtido, vejo tudo claramente, muito embora, tenho que admitir que seja a solidão que traga esta clareza. Quando aparecer alguém, irei continuar assim?
Meu couro está curtido, mas minhas pernas dobram-se ao peso da dor. Sinto que vou quebrar ao meio, ainda a mesma dor. De que adianta ver mais do que outros se minhas pernas não alcançam o horizonte? Se quando faz muito frio, eu tenha que conversar com felinos que nunca tomam banho?
Esses gatos me aquecem. Aprendi com eles o melhor modo de ficar junto, só que os companheiros humanos não perceberam. Nem todos estão preparados para o afeto, nem eu.

agosto 28, 2009

"Cuide de Você"

Me apaixonei pelo trabalho “prenez soin de vous” ou "Cuide de Você" de Sophie Calle, tem a ver com este blog desde setembro de 2008. As rupturas nos tornam clarividentes, pois, os campos se tornam mais verdes como disse Fernando Pessoa. Tudo se esclarece, fica "mais de verdade", fica mais nítido, cada contorno, cada fato e seus desdobramentos entram em análise. E nos cremos sapientes das causas, mesmo que não importem mais. Do modo como Sophie Calle fez ela não engoliu seco e ainda partilhou, socializou. E "ele" simplesmente virou "picadinho" no esquadrinhamento epistêmico, sentimental, disciplinar feminino, se acabou nos despachos, nos descarregos e nas catarses: ele que se achava tanto vai pensar duas vezes antes de "se achar" ... talvez ela também tenha dificuldade de namorar um outro igual a este...



""Esse trabalho inicia-se quando Sophie teve um relacionamento amoroso rompido por email, que terminava com a frase “prenez soin de vous” (cuide-se). Sem saber como responder a essa mensagem e a essa situação, ela resolveu seguir o conselho de uma amiga de fazer um trabalho de arte e utilizou para isso a própria mensagem. Gravou em vídeo mais de cem pessoas lendo o email e fazendo comentários. Entre as “leitoras” estão a mãe da artista, as atrizes Jeanne Moreau e Vitoria Abril, a compositora Laurie Anderson, a DJ Miss Kittin, entre outros.

Ela enviou o texto do email para um advogado forense, uma lingüista, uma taróloga, uma juíza especialista nos direitos femininos, entre outros, e pediu a todos que o texto fosse analisado segundo o filtro de cada especialidade. E esse material compõe a instalação.

Para Sophie, “é mais fácil realizar um projeto quando sofremos do que quando estamos felizes. Não sei o que prefiro: se é estar feliz com um homem ou fazer uma boa exposição”. Seus trabalhos são acompanhados da escrita, seja no título, na legenda ou em narrativas, e são parte integrante da obra. Como disse a crítica francesa Cécile Camart, “a dimensão narrativa de suas instalações, misturando fotografia, textos e objetos, encontra sua filiação histórica na primeira metade da década de 70, em que jovens artistas como Christian Boltanski (”Récit-Souvenir”, 1971), Didier Bay (”Mon Quartier Vu de Ma Fenêtre”, 1969-1973) e Jean Le Gac (”Anecdotes”, 1974) propuseram uma ‘arte narrativa’, uma arte das pessoas, das coisas e das situações, que abrange um vasto leque da vida cotidiana real ou imaginária”."
ver em um artigo publicado em Publicado em 13 de março de 2009:
http://anodafrancanobrasil.cultura.gov.br/br/2009/03/13/exposicao-prenez-soin-de-vous-de-sophie-calle/