agosto 17, 2014

Frédéric Gros: A ética da obediência FRÉDÉRIC GROS*

Frédéric Gros: A ética da obediência 

Carrascos de ontem e torturadores de hoje alegam apenas seguir ordens, diz filósofo francês


 A violência se alimenta de grandes paixões negativas: o ódio, a frustração, o medo, a crueldade... Ora, o século XX, particularmente, foi o palco de violências inusitadas. Pense-se primeiro nos dois conflitos mundiais cujas intensidades e formas foram tão singulares que representam, para os historiadores, verdadeiras rupturas na História, a ponto de haver necessidade de construir categorias novas como as de “guerra total” ou de “guerra civil mundial”. Para além mesmo das guerras, o século XX fez as experiências dos regimes totalitários, que igualmente representam rupturas fortes na história das violências políticas.

Grande parte da monstruosidade do regime nazista provém da frieza administrativa com que se decidiu eliminar um povo inteiro. A destruição dos judeus da Europa, maciça, metódica, fez surgir na consciência moral, porém, um enigma, que Hannah Arendt tentará problematizar ao falar da “banalidade do mal” por ocasião do processo Eichmann (enigma que, aliás, ressurgiu há poucos anos, no momento do processo Duch [torturador-chefe do regime do Khmer vermelho] no Camboja). Arendt procura saber se a efetividade de massacres não pode se alimentar também de disposições éticas como a docilidade e a obediência. Será que há necessidade apenas de pessoas cruéis para praticar genocídios, organizar sessões de tortura, aterrorizar populações?

É uma interrogação terrível e cuja importância para a nossa época é decisiva. De fato, os carrascos de ontem e os torturadores de hoje se apresentam diante dos tribunais dos homens, e talvez até diante de sua própria consciência, declarando que afinal não fizeram outra coisa senão obedecer a ordens. Tudo se passa como se o fato de obedecer desresponsabilizasse totalmente os atores, e que, sem ser particularmente cruel ou movido por ódio, qualquer um pode fazer sofrer a seu próximo coisas atrozes simplesmente ao obedecer.

Pensadores como Hannah Arendt e Michel Foucault chegaram a essa amarga constatação: após se descrever a perfeição atroz dos sistemas totalitários ou dos infernos disciplinares dos séculos XIX e XX, é preciso ainda explicar o que os tornou aceitáveis nos sujeitos. Assim, trata-se de problematizar as grandes formas de obediência, a fim de compreender quais delas permitem aos sujeitos aceitar participar ativamente das violências políticas. Mas será preciso evocar também as formas de desobediência que se recusam a isso. Três grandes conceitos foram elaborados pelo pensamento político: a submissão, o consentimento e a obrigação. É preciso, enfim, mostrar como, a cada vez, se alojam nessas noções possibilidades de resistência.

*Frédéric Gros é professor da Universidade Paris-Est Créteil (UPEC), autor de livros sobre psquiatria e filosofia penal e editor dos últimos cursos de Michel Foucault no Collège de France



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