dezembro 30, 2010

guerra é de quem de guerra for capaz



[...] Quando o intelectual ocidental parte para a ação, sua sereia, vai normalmente para a política, esse simulacro da ação, que substitui a verdadeira ação, que é a guerra, pelos vai-e-vens das conversações e negociações, próprias da classe dos negociantes. [LEMISNKI, Paulo. Anseios crípticos 2. Curitiba: Criar Edições, 2001. p. 29].

Guerra sou eu/ guerra é você / guerra é de quem de guerra for capaz / guerra é assunto importante demais para ser deixado na mão dos generais. (P. Leminski)

O fato é que eu nunca quis negociar, nem saberia. Desde gerações passadas sequer tivemos idéia do que seja a boa vida, condenados por boa vontade ao trabalho, com toda sua carga de "tormento, de agonia e de sofrimento". Como desejar algo desconhecido seja ócio seja negócio? Para estes é preciso ser talhado de berço. Fui talhada no berço para trabalhar, outro fato é que aquele que trabalha "não tem tempo para política" nem meios para os negócios.

Negocio, advém de “sem ócio”, ócio era algo sem recompensa, negócio então significava “não sem recompensa”. Depois como tudo em semântica, os significados modificaram-se e negociar se tornou lidar com negócios; transacionar comercialmente; permutar ou vender por contrato, agenciar, diligenciar, pactuar; firmar e/ou celebrar (acordo, ajuste, contrato). Estes últimos são mais próximos do sentido que Leminski atribui.

Com o texto sobre o escritor japonês Mishima, Leminski abala [para mim] a tese de Hannah Arendt. De acordo com Leminski “o espírito dos ocidentais pensa a matéria, o Fora. Num gesto muito mais genial, porque mais global, essencialmente radical, Mishima resolve o problema transformando seu espírito em matéria, matéria pensante, inteligente”. Referia-se ao fato dele além de escritor cultuar seu corpo mediante artes marciais, com toda carga de tradição e modo de vida relacionada à estas.

Para Hannah Arendt (em a Condição Humana) a “ação é a atividade que se exerce entre homens sem a mediação de coisas e da matéria”. Ação é condição de pluralidade. Hannah diz que “todos os aspectos da condição humana tem relação com a política”, a pluralidade é a condição de toda vida política. Ela diz que o povo mais político que conhece, os romanos têm como sinônimas as palavras viver e estar entre homens, morrer é deixar de estar entre homens. A ação é uma das atividades humanas juntamente com labor (reprodutiva) e trabalho (produtiva de mundos artificiais, manufaturados). A ação é a que cria condição para a “lembrança” e a “história” assim como pensar novos começos.

Gregos decidiam politicamente por meio do diálogo, pela persuasão não pela força ou coerção. Agostinho (cristianismo) por sua vez introduz a idéia de vida negotiosa ou actuosa, ou seja dedicada aos assuntos políticos ou públicos. Trabalho e labor permanecem atividades subalternas, enquanto que a vida contemplativa é considerada, ainda, o único modo de vida livre. (no cristianismo)

Contemplação é a cessação da ocupação e do desassossego, a cessação do movimento, a quietude. Todo movimento cessa, todo discurso e raciocínio cessa diante da verdade. Assim como “a guerra ocorre em benefício da paz” o pensamento culmina com a “quietude da contemplação”. Ela diz que a negociação advém com o homem faber, aquele que  se relaciona com outros trocando produtos. "Uma vez que ele produz no isolamento". A esfera pública deste homem é o mercado, onde cria o apetite pela barganha e pelo consumo. No mercado o homem faber deixa o isolamento. Uma "sociedade de operários" o valor dos homens é dado por sua função. Ela diz, ainda, que este fabrica no isolamento para o consumo privado. O valor deste produto é dado na esfera pública.
Opinião, diametralmente oposta a noção de que a troca é um dos principais meios da relação isolamento-individualização, já que ‘"torna supérfluo o gregarismo e o dissolve". (Marx apud Canevacci. p. 7). Eu mesma não acho que se produza algo sozinho, anos e anos de aperfeiçoamento de técnica, saberes estão inclusivos num processo produtivo.

Pode-se deduzir de Marx que a criação do homem vem do trabalho humano . Contudo aos operários, a sociedade dá o preço e o desprezo, o mesmo desprezo que é dado aos convivas ociosos "que nada deixam de si em troca pelo que consomem", Adam Smith citado por Arendt (p. 97). Ociosos e operários "são" isentos de  atividade política, segundo este racicínio (não é o meu, nem sei se é totalmente o da Hannah). No caso dos operários a insatisfação com a servilidade demonstra-se com a sabotagem, a procrastinação (mesmo), a greve. Trabalhar cansa! Mesmo operários relutam em cotejar trabalho e vida.



Não é toa que quando voltaram da primeira guerra os operários europeus se arrogaram  a "poder" como diz Argan em Arte Moderna: "A classe operária, consciente de ter contribuído e sofrido com o esforço bélico mais do que qualquer outra, vai adquirindo peso político decisivo. Além disto, a revolução bolchevique demonstrou que o proletariado pode conquistar e manter o poder. Nós já tivemos operários presidentes.
Gosto das coisas porque passaram por mãos e cérebros humanos, são encartes de conhecimento, de saber fazer, talvez os objetos hoje sejam constructos-experiência, reservatórios da experiência - já que a narrativa, diálogo, conversação estão em "crise". Concordo com Vicente Guallard quando diz que "os objetos pensam, reagem e atuam, além de suas qualidades materiais, os espaços e os lugares devem [responder] relacionar-se com eles. Os objetos pensam porque alguém pensou neles. Programou-os e lhes atribuiu qualidades para que se integrem em uma nova lógica do mundo em que tudo está conectado com tudo”. 

Ok, mas isso não confere ao operário nenhum dignidade a mais, o designer, o técnico, o gerente, o executivo adquirem este valor. E as conversações ficam para os filósofos e os sindicalistas (estes já no fim de carreira).

Leminski por meio de Mishima propõe algo diferente a guerra (negociar) é mais do que a política (persuasão, consenso). Guerra diz respeito a todos não é prerrogativa militar. O livro relatado por Leminski “Sol e Aço" de Mishima, se trava "a luta com as palavras. A luta com as armas. A luta consigo mesmo. A luta contra o destino." é a luta e o "Amor pelo sol.”

Voltando a mim mesma, o aprendizado da negociação é o que tenho  recusado, talvez seja hora de aprender viver entre os homens e mulheres não por um sentimento qualquer mas ocupar um lugar (diz Agamben que isso é um bem). Aceitar o que diz Zeca Baleiro “antes o atrito que o contrato”. Não devo estar cansada de guerra só de observá-la. Já é hora de voltar ao sol.

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